Assim como negou a letalidade da pandemia do novo coronavírus, que cacarterizou como uma mera “gripezinha”, Jair Bolsonaro negou e segue negando a existência de brasileiros passando fome. “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira”, esbravejou durante entrevista a jornalistas estrangeiros no dia 19 de julho.
Sabemos que não foi pequena a contribuição do negacionismo na tragédia sanitária que já provocou quase 700 mil mortes no país. Da mesma forma, o negacionismo em relação à fome é o refúgio do presidente para não tomar atitudes para contornar o problema, que continua se agravando, apesar do Auxílio Brasil.
A fome é perceptível de Norte a Sul do país e também tem sido constatada e medida por instituições respeitáveis como a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan), que nesta quarta-feira (14) divulgou novo estudo a respeito do tema indicando que, hoje em dia, três em cada dez famílias brasileiras enfrentam algum nível de falta de alimentos e passam fome.
Em números absolutos, são 125,2 milhões em insegurança alimentar. A maior proporção de famílias nessa situação está nas regiões Norte e Nordeste do país, mas a fome é uma realidade nacional verificada em todas as unidades da federação.
Alagoas é o estado em que os casos de insegurança alimentar grave são mais frequentes, atingindo 36,7% das famílias pesquisadas. Em segundo lugar, vem o Amapá, com 32% dos domicílios nessa situação. Na sequência, estão Pará e Sergipe, ambos com 30% da população atingida.
“Os resultados refletem as desigualdades regionais registradas no relatório do II VIGISAN, e evidenciam diferenças substanciais entre os estados de cada macrorregião do país”, aponta, em nota, o coordenador da Rede Penssan, Renato Maluf.
“Não são espaços homogêneos do ponto de vista das condições de vida. Há diferenças socioeconômicas nas regiões que pedem políticas públicas direcionadas para cada estado que as compõem”, completa.
Números absolutos
Apesar de proporcionalmente atingir mais as regiões Norte e Nordeste, a maior concentração de pessoas que passam fome em números absolutos está no Sudeste, região mais populosa do país.
Os dados são puxados São Paulo, com 6,8 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave, e pelo Rio de Janeiro, com 2,7 milhões na mesma situação.
Considerando toda a população em insegurança alimentar (leve, moderada ou grave), São Paulo também lidera, com 26 milhões, seguido por Minas Gerais, com 11,2 milhões.
A pesquisa
Os pesquisadores foram de casa em casa, de novembro do ano passado a abril deste ano. Eles visitaram 12.745 domicílios em 577 cidades, em todos os estados do país e no Distrito Federal.
Renda e endividamento
Além do grande número de atingidos pela fome, os pesquisadores constataram que o problema se agravou após a pandemia, com queda na renda das famílias e aumento do custo de vida.
Segundo o levantamento, as famílias com renda inferior a meio salário-mínimo por pessoa estão mais sujeitas à insegurança alimentar moderada e grave.
Essa insegurança é verificada, entre os domicílios com esse perfil de renda:
Acre: em 65% dos domicílios
Pará: 67,6%
Maranhão: 72,0%
Sergipe: 76,5%
Piauí: 66,1%
Ceará: 65,2%
Rio de Janeiro: 61%
São Paulo: 58,4%
Santa Catarina: 65,7%
Rio Grande do Sul: 64,4%
Distrito Federal: 63,9%
Rosana Salles, professora do Instituto de Nutrição da UFRJ e pesquisadora da Rede Penssan, salienta que uma parcela significativa da população com renda de até meio salário-mínimo não foi contemplada pelo Auxílio Brasil.
“É uma parte da população que já sofre com a insegurança alimentar. A atual política pública deixa de fora famílias que estariam socialmente elegíveis ao recebimento de uma renda, e que estão em alta vulnerabilidade alimentar”, comenta em nota.
A pesquisa também aponta que a renda, que já vem se mostrando insuficiente para as necessidades básicas, vem precisando estar dedicada, também, aos custos com endividamento.
Na maioria dos estados do Nordeste, pelo menos 45% das famílias estão endividadas – em Alagoas este índice chega a 57,5%. Os números também são alarmantes no Amazonas (52,6%) e no Distrito Federal (55,6%).
“Mesmo as famílias que recebem o Auxílio Brasil, por estarem endividadas, não conseguem utilizá-lo somente para a compra de alimentos. O recurso precisa ser utilizado para pagar outras necessidades básicas, como aluguel, transporte, luz e água”, complementa Ana Maria Segall, pesquisadora da Rede Penssan e da Fiocruz.
O que é insegurança alimentar?
O conceito de insegurança alimentar foi dividido pelo estudo em três níveis:
Leve: quando há preocupação ou incerteza se vai conseguir alimentos no futuro;
Moderada: quando há uma redução concreta da quantidade de alimentos e o padrão saudável de alimentação é rompido por falta de comida;
Grave: quando a família sente fome e não come por falta de dinheiro.
Considerando o recorte nacional, a insegurança alimentar grave atinge 15,5 das famílias, enquanto a insegurança alimentar moderada afeta 15,2%.
Fonte CTB com iformações do G1